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Comissão Nacional da Verdade e entidades paraenses de defesa dos direitos humanos reunidos ontem à noite
 
Mais de 350
guerrilheiros e camponeses foram assassinados no Pará durante a ditadura
militar, no período de 1964 a 1985. Das três ações penais movidas no Brasil pelo
Ministério Público Federal contra militares envolvidos em crimes contra a Humanidade
e graves violações a direitos humanos durante a violenta repressão à guerrilha
do Araguaia, duas tramitam no Pará e os denunciados são Sebastião Curió e Lício
Augusto Maciel. Mas até agora ainda não foi constituída a Comissão da Verdade
do Estado do Pará.

Ontem, a Comissão
Nacional da Verdade, que veio ao Pará tomar depoimento dos acusados no MPF, reuniu
com o Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça, Associação dos
Torturados da Guerrilha do Araguaia, Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos
do Pará, Comissão da Verdade dos Jornalistas do Pará, deputados estaduais
Edmilson Rodrigues (PSOL) e Carlos Bordalo (PT), vereadora de Belém Sandra
Batista (PCdoB) – os dois últimos presidentes das Comissões de Direitos Humanos
da Alepa e da Câmara Municipal, respectivamente -, Conselho Regional de
Psicologia do Pará/Amapá, e outras entidades de defesa dos direitos humanos,
para tratar da necessidade de unir as diversas iniciativas que estão em curso a
fim de resgatar esse período histórico ainda desconhecido por grande parte dos
brasileiros das novas gerações.

Paulo Fonteles
Filho, líder do Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça, presidiu a reunião,
que resultou em agenda com o presidente da Alepa, deputado Márcio Miranda(DEM),
hoje de manhã, que se mostrou receptivo à proposta e garantiu aos
representantes das diversas entidades a imediata instalação, pelo Poder
Legislativo, da Comissão Estadual da Verdade no Pará, que contará com a
participação de entidades ligadas aos direitos humanos e parlamentares.

Não se sabe a
razão de tanta resistência do Governo do Pará à criação da Comissão da Verdade
pelo Executivo, pleiteada à exaustão e que vem sendo negada. O governador Geraldo
Alckmin(PSDB) faz um grande trabalho em São Paulo, dando exemplo para todo o
Brasil, e já oferece para consulta pública milhares de documentos da época. No
ano passado, o governador Simão Jatene chegou a reunir com a Comissão Nacional
da Verdade e anunciar um pacto para a instalação da Comissão no Estado. Na
época, Jatene disse a Cláudio Fonteles, ex-procurador geral da República e
membro da CNV que “o fato de nós
aceitarmos e apoiarmos a criação da comissão aqui no Estado não é um favor que
estamos fazendo e sim um dever. Temos que contribuir para que todo o País possa
fazer uma releitura de uma fase importantíssima da história do nosso Brasil. Eu
sou daqueles que acredita que toda população deve ter história e memória
”,
e prometeu que o projeto de lei criando a comissão seria encaminhado em 30 dias
para a Assembleia Legislativa. O governador relembrou, inclusive, na ocasião,
que muitos músicos e artistas paraenses foram vítimas da ditadura. “Várias músicas foram censuradas na época. Em
um desses episódios, até uma música minha que não tinha letra, somente melodia,
chegou a ser censurada e até hoje eu não consegui entender este gesto
”,
contou.

A Comissão
Nacional da Verdade, criada pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, tem como
uma das principais missões investigar como se deu a morte de 430 pessoas em
todo o Brasil, muitas das quais tidas ainda hoje como desaparecidas.

Paulo Fonteles
Filho nasceu num presídio político de Brasília, no início dos anos 70, porque
sua mãe, Hecilda Veiga, e o pai, Paulo Fonteles, estavam presos por serem opositores
do regime ditatorial. E acusa o Estado brasileiro de ter sido o responsável
pela morte, em 1987, do seu pai, ex-deputado estadual e advogado de lavradores
e familiares de vítimas da repressão ao movimento armado do Araguaia.

As ações que
tramitam na Justiça Federal são praticamente desconhecidas pela sociedade
paraense. O MPF denunciou o Major da reserva Lício Augusto Maciel por crimes
contra a Humanidade durante a guerrilha do Araguaia, na década de 70, no sul do
Pará, acusado de sequestrar Divino Ferreira de Sousa, único de quatro guerrilheiros
levado vivo às dependências do Exército após confronto com militares. Lício
Augusto Maciel, que usava na época o codinome de “Doutor Asdrúbal”, foi
denunciado pelo sequestro de Divino Ferreira de Sousa, o Nunes, capturado e
ilegalmente detido pelo Exército durante a repressão à guerrilha em 1973. De
acordo com as investigações do MPF, Divino foi emboscado no dia 14 de outubro
de 1973 pelos militares chefiados por Lício, quando estava ao lado de André
Grabois (o Zé Carlos), João Gualberto Calatroni (o Zebão) e Antônio Alfredo de
Lima (o Alfredo). Ao avistarem os militantes, Lício e seus homens abriram fogo.
Os outros três guerrilheiros foram executados e Divino foi sequestrado e levado
com vida para a base militar da Casa Azul, em Marabá. Apesar de ferido, foi
interrogado e submetido a grave sofrimento físico em razão da natureza da
detenção. Após isso, não mais foi visto. Entre as testemunhas do sequestro de
Divino está o militar José Vargas Jimenez, que escreveu um livro sobre a
repressão à guerrilha e depois confirmou todas as informações em depoimento
oficial às autoridades brasileiras.

No mesmo sentido é
o testemunho de Manoel Leal Lima, o Vanu, que servia de guia para o grupo de
militares durante a emboscada. Vanu afirmou que os militantes políticos
encontrados em 14 de outubro de 1973 não representavam ameaça pois estavam
abatendo porcos para a alimentação no momento da captura. Eles poderiam ter
sido rendidos, mas foram mortos, com exceção de Divino, levado vivo para Marabá.
Ainda segundo Vanu, Divino Ferreira de Souza, após interrogado, nunca mais foi
visto.

Tanto Vanu quanto
Jimenez e outras testemunhas relataram os sepultamentos dos três militantes do
PCdoB mortos na ocasião da prisão de Divino. Jimenez contou que um dos corpos
teve o dedo cortado por um soldado, que descarnou o dedo e passou a usar o osso
do guerrilheiro como amuleto. Sobre a morte de Divino, não há relatos
consistentes. O que se sabe é que ele foi capturado, interrogado e depois
desapareceu.

Para o MPF a
responsabilização penal de Lício Augusto Maciel decorre da participação
inequívoca dele nos crimes relatados na denúncia, o que inclusive foi por ele
reconhecido em depoimento prestado na Justiça Federal do Rio de Janeiro, em
2010. O sequestro de Divino aconteceu durante a denominada Operação Marajoara,
última fase dos combates entre Exército e militantes. “Nessa etapa houve o
deliberado e definitivo abandono do sistema normativo vigente, pois decidiu-se
claramente pela adoção sistemática de medidas ilegais e violentas,
promovendo-se então o sequestro ou a execução sumária dos militantes. Não há
notícias de sequer um militante que, privado da liberdade pelas Forças Armadas
durante a Operação Marajoara, tenha sido encontrado livre posteriormente”,
relata a denúncia do MPF.

“Especialmente nos
casos de sequestro, além da perpetração de sevícias às vítimas para obter
informação sobre o paradeiro dos demais dissidentes (tortura), seguiram-se atos
de ocultação das condutas anteriores visando assegurar a impunidade e manter o
sigilo sobre as violações a direitos humanos. Ou seja, ao sequestro clandestino
segue a negativa estatal de sua própria ocorrência”, relatam os procuradores da
República. Tiago Modesto Rabelo, André Casagrande Raupp, Melina Alves Tostes e
Luana Vargas Macedo, de Marabá; Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr., de Belém;
Ivan Cláudio Marx, de Uruguaiana; Andrey Borges de Mendonça, de Santos; e
Sergio Gardenghi Suiama e Marlon Alberto Weichert, de São Paulo.

O primeiro
denunciado foi Sebastião Curió. A denúncia não foi aceita pela primeira
instância – a Justiça Federal de Marabá – mas o MPF recorreu, alegando que os
crimes de sequestro praticados durante o regime militar não estão prescritos ou
cobertos pelo manto da anistia por serem crimes permanentes, de acordo com o STF
e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Em dois casos de
extradição de militares ligados a ditaduras latino-americanas, o STF decidiu que
a extradição deveria acontecer por se tratarem de casos de desaparecimento
forçado, que o direito internacional considera como violações graves de
direitos humanos sobre as quais não se aplica anistia ou nenhuma disposição
análoga, seja prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa julgada ou
qualquer excludente similar.

Na sentença que
condenou o Brasil pelos crimes do Araguaia, a Corte Interamericana ordenou que
“o Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a
investigação penal dos fatos do presente caso [graves violações aos direitos
humanos durante a Guerrilha do Araguaia] a fim de esclarecê-los, determinar as
correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e
consequências que a lei preveja”. Para o MPF, a decisão deve ser obedecida a
não ser que o País declare inconstitucional sua adesão ao sistema
interamericano de direitos humanos. Para recusar a autoridade da Corte
Interamericana, o Brasil teria que abdicar do sistema como um todo. “Decisão
esta que esbarraria no óbice da vedação do retrocesso em matéria de direitos
humanos fundamentais, além de importar claramente em violação do princípio da
proibição da tutela deficiente dos direitos humanos”, explicam os procuradores
da República.

Reunião hoje de manhã na Alepa
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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